Carrossel

O silêncio das paredes tem me torturado, o movimento nas ruas me assusta e o sol não brilha mais tão intenso como antes; preso na imaterialidade dos meus passeios, acredito que já tenha vivido mil vidas com você e não consigo mais seguir contando, são inúmeras situações compostas por encontros e desencontros por anos a fio, mergulhados além da saudade, agarrados ao fio da ausência. Seguimos os clichês dos filmes românticos, já nos aventuramos em ficções científicas futurísticas, cortejei você em nobres salões reais do século XVII, visitamos as Bahamas daqui a 5 anos, mas de longe, dentre todos os nossos momentos imaginários, o meu preferido se encontra na nossa versão mais próxima da realidade.
Outra sexta-feira de clima ameno em uma primavera qualquer, o sol já se dispõe além da linha do horizonte e continua sua caminhada para o amanhã, salpicando o céu em tons de alaranjados e roseados, uma verdadeira aquarela celeste, um caminho entre as nuvens que apontam até a sua direção, a alguns quilômetros da minha localização. Você até se ofereceu para me buscar em casa, mas concordamos que seria muita contramão, em vista que vamos para além da sua residência, para um passeio que aguardei ansioso por toda a semana; as borboletas na barriga ainda surgem como se fosse a primeira vez, estar no teu abraço é algo tão confortável e inimaginavelmente comum, que a surpresa de te reencontra após alguns dias é sempre uma experiência única.
Adentrado ao ônibus, cadeiras vazias contrastam com a quantidade de carros nas ruas, pessoas voltando do trabalho ou indo realizar alguma tarefa pós expediente antes de retornar aos seus lares, inquietas, vibrantes, como o meu coração e os meus ouvidos, escutando Carnival of the Animals VII: Aquarium ( https://www.youtube.com/watch?v=p3_CnjdB3ew ), a doce sinfonia de Marián Lapšanský que embala as minhas pulsações apaixonadas. Vai demorar cerca de duas horas para te localizar, mas o que é o tempo para quem deseja encurtar espaços? Nada além de um companheiro de espera, para maravilhosas sensações que me aguardam, ao colidir com o teu olhar, o teu sorriso e o beijo doce e acalentador que teus lábios me proporcionam.
Cheguei ao local combinado, a noite já se faz presente e a rua está repleta de famílias e casais, se dirigindo para o parque que acabara de chegar na cidade, outra daquelas atrações mambembes que adoro te levar, repleto de brinquedos e situações inusitadas; poderia ser difícil te ver no meio de tantas pessoas, mas eu sei exatamente aonde ir, qual caminho devo trilhar. Como sempre, você está deslumbrante, não há como esperar menos de uma mulher que está destinada a brilhar, ofuscando até mesmo a beleza das estrelas e transformando as luzes em seus obedientes holofotes, roubando todos os olhares admirados e causando certa inveja em alguns.
Seus dedos se entrelaçam ao meu, sinto que ali está tudo que eu preciso no momento, e adentramos a noite como duas crianças empolgadas com um presente novo, espalhando sorrisos e felicidades por cada ponto que nos beijamos, livres e despreocupados dos pesos que carregamos por dias a fio, longe do que seria o nosso ideal. Depois de horas a fio (que passaram como minutos), te convido para ir ao carrossel e você de prontidão aceita, logo somos apenas eu e você em uma mágica e envolvente valsa, de olhares sinceros e silenciosos, abafando todo o ruído que nos cerca, e mesmo estando em movimento, parando por alguns segundos o mundo.
Estar com você, em um aspecto simplório para mim, é como estar vivendo este momento: uma sequência sucessiva de altos e baixos que não me incomoda, muito pelo contrário, me acalma; na vida nada é retilíneo e sem desafios, mas ao segurar sua mão, eu sinto que consigo parar o mundo nem que seja por breves momentos, antes mesmo de buscar conquistá-lo, e isso com toda a certeza me faz bem.